sábado, 4 de fevereiro de 2012

Coralina colocou tudo na mesa e foi reconstruindo aquilo que tinha ficado levemente disforme, mas Natanael não parou de saborear seu grande prato de nada. Se fosse outra pessoa provavelmente ficaria ofendida com o ato, mas Coralina gostava de Natanael a ponto de não se importar com isso.
-Tive um sonho estranho. - Disse Natanael, entre uma garfada e outra.
-Sobre o que? - Perguntou Coralina sem parar de arrumar a mesa.
-Não quero falar sobre isso. - Ele respondeu.
Coralina soltou uma risada contida, isso era sem qualquer sombra de duvidas a cara dele. A mesa estava pronta, e o mais importante, estava simétrica. Cada bandeja de docinhos tinha exatamente a mesma quantidade,  estavam posicionados de forma a ficarem em fileiras de cores parecidas e em numero par. Parou para avaliar o próprio trabalho e ficou internamente orgulhosa com o resultado.
-Isso está torto. - Disse Natanael apontando para uma das bandejas de doce.
-Não, não está. - Retrucou Coralina comendo o doce sobressalente. - Agora coma. - Ordenou.
Natanael olhou para o esforço quase infantil que Coralina estava fazendo para lhe agradar. Fazia tempo que ninguém além dela lhe tratava daquela forma. Desde que sua família tinha desaparecido, na estranha noite escura. Ainda se lembrava das luzes vermelhas se afastando lentamente, da despedida e da promessa de volta. Quanto tempo deveriam ter demorado? Não importava realmente, o tempo era diferente para eles. Era mais denso, frio e comprido.
Coralina cansou de esperar o retorno de Natanael para terra, então começou a servir ela mesmo o bolo, colocando os doces de modo ornamental em seu prato. Por pura diversão passou o dedo na cobertura do bolo e em seguida no topo do nariz de Natanael, que se assustou e se dispersou dos seus pensamentos distantes.
-Por que fez isso? - Perguntou Natanael.
-Porque é divertido. – Respondeu Coralina abrindo um lindo sorriso. – Coma. Me esforcei pra fazer isso.
-Você não fez isso. – Afirmou Natanael.
-Dá trabalho comprar. – Retrucou Coralina.
-Você não comprou também.
-Você fala como se assaltar uma loja de doces fosse fácil. – Respondeu Coralina, fazendo bico. – Não diminua meus esforços pra ver você sorrir.
Natanael parou para refletir sobre a frase. Coralina vinha em sua desde que sua família ainda morava ali, e isso já fazia algum tempo. Talvez, um sorriso não fosse tanta coisa como pagamento por tanto tempo. Talvez.
-Vamos! – Insistiu coralina. – Você sabe o que eu quero! Só dê um sorriso.
Ele forçou os lábios lateralmente com força enquanto a encarava com uma expressão limpa. Era o riso mais forçado que Coralina já virá, o que a fez rir.
-Porque está rindo? - Perguntou Natanael, confuso.
-Não importa, só coma seu bolo. – Disse Coralina, com um rosto repentinamente triste. – Aproveite esse aniversário, por favor. Coisas ruins estão por vir.
-Que coisas?
-Ruins. – Respondeu Coralina dando uma garfada direto no grande bolo. – Sei que não temos velas, mas faça um pedido antes de comer.
-Ok. – Respondeu Natanael, pensando em um desejo um instante antes de comer um pequeno brigadeiro. – Por que não temos velas?
-Roubei uma doceria, não um mercado. – Respondeu Coralina, com a boca cheia. – O que desejou?
-Se eu te contar não se realiza.
-Faz sentido...
Os dois comeram em silêncio, e quando a noite finalmente chegou Coralina foi embora. Natanael pegou um pequeno pratinho vazio e riscou um fósforo. Acendeu sua vela imaginaria e foi até seu quarto guiado pelas marcas de seus próprios passos no chão cheio de poeira. Não sabia o que sua mãe pensaria se visse a casa naquele estado, mas não haveria problema, ele poderia limpar amanha.
Amanha ele limparia.

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